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março 05, 2020

4 HORAS ~ NÃO TERMINADO ~


Era uma daquelas noites bem geladas de Dezembro no boêmio bairro de Montmartre. Eu me lembro que vendemos pouquíssimos cafés nesta véspera de Natal (quem vai em cafeteria uma noite dessas?). O Pierre me liberou mais cedo para que eu pudesse preparar a ceia de amanhã, mas ele mal sabia que provavelmente eu esquentaria o croissant que sobrou na vitrine.
A Marie me convidou para ir até a casa dela, seus pais estariam em Londres e a ideia era uma véspera fora do comum, regada de muito vinho e músicas nada natalinas. “Todo mundo vai, vamos trocar presentes, não aceito desculpas se não for”. Pensei comigo que já gastei todo o meu repertório nos últimos meses. Até arrumei um gato de mentira e ele morreu em menos de dois dias. Todo mundo vai. Todo mundo. Todo. Jacques. Ele vai estar lá. Ela vai estar lá.
Eu vou dizer que mamãe saiu do hospital inesperadamente e preparamos uma ceia para nós duas. Ela vai acreditar. Ele não.

Não sei explicar quando nos apaixonamos. Nós sempre fomos amigos e amigos dos nossos amigos. Nos víamos quase todos os dias. A banda em que ele toca guitarra ensaia umas duas vezes por dia no bar da esquina e a gente se encontrava quando eu saía do café. Ele sempre tinha um chocolate no bolso da jaqueta marrom pra me dar e me desejar boa noite. Os olhares que nós trocávamos eram inevitáveis. O cheiro dele sempre ficava no meu corpo com seu jeito forte de me abraçar e ainda encostava a barba no meu rosto só pra me fazer cócegas. Nunca nos beijamos. O sorriso dele pra mim era indescritível. Ele só sorria assim pra mim.
A cada mês ele me dava um livro pra ler com uma dedicatória intrigante. A força que há em nós da Dawn Watson foi o primeiro livro em português que me deu. E também o último. “Espero que você me entenda”, escreveu na capa. No mesmo dia os vi juntos pela primeira vez. Nunca abri o livro. No dia seguinte ela me ligou e me contou tudo. Os detalhes, o sabor do beijo e do chocolate que antes era pra mim.

E desde então estou buscando novas desculpas. Saí do café e prometi ao Pierre que não ficaria sozinha. Assim como já prometi diversas vezes que experimentaria canela no cappuccino e nunca tive coragem. Detesto canela.

Cheguei em casa por volta das 22h. Enchi a banheira de água fervendo com sais de rosa branca e me enfiei nela por horas. Comi meu croissant ali mesmo e tomei uma taça de um rose velho que estava na geladeira. Meu celular tocou umas cinco vezes atrapalhando minha sofrida playlist da Carla Bruni. Na sexta vez, eu atendi e Marie estava nitidamente alegre: “Você é a pior melhor amiga do mundo”.

Dessa vez inventei que estava com o americano que parou no café mais cedo (realmente conheci um americano que inclusive pediu meu telefone mas é claro que passei o número errado). Ouvi ela gritar pra todo mundo a minha desculpa da noite misturada com música latina, algumas vozes me desejando feliz natal e outras me convidando para algum brunch que não entendi. Desliguei  me obrigando a sair da banheira e me enfiar no sofá. Coloquei um pijama daqueles bem velhos mas bem quentes que a gente ama, amarelo e todo de veludo. Ele disse uma vez que provavelmente o pijama era da minha avó mas não existem dessas coisas no Brasil. O controle passou por uns quinze canais até parar em um episódio repetido da quarta temporada de Skam France. Um pouco de drama adolescente como sonífero.

Às 02 da manhã a campainha tocou. Eu estava cochilando no sofá e pensei que provavelmente fosse algum bêbado perdido no apartamento errado. Minha cabeça doía um pouco, acho que vinho velho faz mal. A campainha tocou pela segunda vez.
“Eu sei que você está aí, que está sozinha e com seu pijama de veludo. Não vou embora enquanto não aceitar meu presente”.

Pensei em pular da janela mas nunca quis morrer com meu pijama. Só ele sabia.
Esperei mais um pouco e a campainha insistiu por dez incansáveis segundos. Abri. A pessoa que nunca imaginei estar na minha porta naquele momento estava com uma garrafa de vinho na mão, uma baguete de três queijos e com cachecóis de tricô enrolados do pescoço até o nariz.

Eu não deveria ter aberto a porta. Eu não deveria ter dado um sorriso quando ele chegou. Eu sabia que tinha um motivo para ele estar ali. Acho que fiquei calada por um bom tempo como uma estátua quando lembrei do meu passado e de como fui trocada diversas vezes no meu antigo relacionamento. Eu soube de tudo apenas uns anos depois. Não foi justo comigo. Isso não era justo com a Marie.

Ele entrou desenrolando o cachecol do pescoço e amontoou as coisas em cima da mesa. Começou a falar das mil coisas que eu havia perdido na festa, de como foi um porre não beber para cuidar da Marie (enquanto isso ele abria desesperadamente a garrafa de vinho) e que amanhã iríamos ao brunch da Eloise. Eu estava paralisada ainda na porta. Não entendi o que aquela criatura maravilhosa estava fazendo no meu apartamento.

- Por que você está aqui? - saiu de mim uma voz embargada de sono.

Com duas taças na mão ele caminhou até mim e me propôs um brinde.

- A nós?

Eu hesitei. Ele olhou para mim com um olhar doce e colocou seu polegar no meu queixo. De pressa peguei a taça que me oferecera, fechei os olhos e bebi tudo sem respirar. Foi quando ele encostou sua barba no meu rosto para me arrancar uma risada. Eu não consegui rir. Senti o polegar direito dele deslizando nos meus lábios. Quando abri os olhos, ele me beijou.

Às 06 da manhã eu acordei. Ouvi um barulho de alguém batendo a porta da sala com muita pressa. Minha cabeça não parava de rodar e notei as garrafas de vinho no chão. Jacques saiu tão rápido que esqueceu seus cachecóis amarrados na cama. Fiquei deitada por um tempo até conseguir levantar. Comecei a lembrar de alguns momentos daquela noite e corri para o banheiro onde despejei um vômito escuro no vaso. Eu nunca fui uma garota politicamente correta e não tenho um relacionamento sério. Eu merecia aquela noite mas, eu não conseguia aceitar que havia passado a noite com o cara que eu sou completamente apaixonada. Eu nunca me apaixonei antes disso, sempre depois (até porque a química do corpo deve acontecer). O problema é que eu me apaixonei mais ainda. Ele é incrivelmente perfeito. O cheiro, o gosto, o toque. Vomitei mais um pouco e consegui forças para levantar e tomar banho. Apesar da ressaca de vinho ser horrível eu me sentia ótima e decidi que iria ao brunch. Eloisa era uma boa amiga e seu marido uma comédia ambulante. Seria bom dar umas boas risadas e estar com os meus amigos. Não me lembrei que os dois poderiam estar juntos mesmo após isso.

Saí do banho, prepararei um omelete e um café forte para melhorar. Entrei no quarto e me arrepiei ao sentir o cheiro dele. Parece que a madrugada durou uma eternidade. Chutei uma garrafa no chão e ri sozinha ao lembrar das brincadeiras que fizemos, das palhaçadas dele pra me conquistar, do meu jeito péssimo de ser séria e do quanto tivemos que beber depois que o aquecedor parou de esquentar o quarto. Foi aí que as coisas começaram a ficar mais fortes. Confesso que parecíamos amigos amantes com tantas risadas durante os beijos e carícias. Ainda não acredito que vivi isso.

Coloquei meu vestido preto de manga longa, uma meia grossa, botas marrons e um casaco gigante de cor indefinida. Desde que eu mudei de país não vestia algo justo e sei que fico perfeitamente linda. Como era um brunch passei apenas meu gloss preferido e um pouco de pó para cobrir as olheiras da noite mal dormida. Enrolei os cachecóis do Jacques no meu pescoço mas só percebi o cheiro do perfume quando já estava no metrô, afinal, caía uma chuva bem fina e o tempo frio parecia piorar, só consegui correr para encontrar um lugar quente. Eu ficaria a manhã inteira com o cheiro dele no meu pescoço.

outubro 30, 2019

As coisas mudam

Depois de um tempo as coisas mudam. 
As coisas são mais tranquilas e a intensidade é diferente. Os carinhos são mais espontâneos assim como as brincadeiras e as piadas. Depois de um tempo vocês conversarão sobre coisas totalmente aleatórias e depois de chegarem a uma conclusão vão rir e se perguntar: Por que estamos falando disso? Depois de um tempo os defeitos serão muito mais evidentes mas você os conhecerá como a palma da sua mão. Os planos serão diferentes. As ideias serão quase as mesmas mas vocês ainda irão discordar de muita coisa. Vocês perceberão que a companhia será muito mais valiosa do que qualquer outro momento, mesmo que fiquem o dia todo no sofá vendo tv e comentando todos os programas. Você vai se preocupar mais ainda que estejam juntos todos os dias. Você vai torcer para que o outro consiga aquilo que quer para comemorarem juntos. Terão dias muito difíceis. Depois de um tempo vocês dois irão mudar. Assim como pintamos as paredes de uma nova cor, mudamos os móveis de lugar ou compramos um quadro horrível mas que amamos. Mudar é algo que exige paciência e aceitação. Mesmo que você queira voltar, nunca mais será o mesmo.

junho 17, 2019

Erros e medos (dentro de ideias de segunda)

Hoje eu aprendi que os nossos planos nem sempre acontecem como esperávamos. Nossos sonhos nem sempre são tão maravilhosos quando se tornam reais. De tempos em tempos eu penso sobre isso. Vejo todos os dias vidas perdidas, tempo desperdiçado, papéis rasgados e laços desfeitos. A gente se planeja, vive e quando vê já terminou. Terminou dando certo, meio-certo, errado ou totalmente errado. Qual a sensação quando algo não acontece? A satisfação de ter tentado? A frustração do deu errado? Não sei o que seria de mim sem meus erros. Como eu aprendo coisas novas todos os dias. Como eu gosto de assumir que errei e olhar pra frente enxergando só acertos. E chegar lá errando de novo. Enquanto isso, os acertos mesmos que pequenos crescem contigo. 
Não tenha medo de assumir os riscos da vida. Não tenha medo de abrir seu coração mesmo que se sinta mal no dia seguinte. Não tenha medo do medo. Medo do amanhã. Medo do depois. Medo eu digo aquele que te impede de seguir em frente. Vai! E nunca se arrependa afinal, aquele clichê, é pior não tentar.
É isso, boa semana! 

maio 27, 2019

Ideias de segunda

Algumas coisas na vida não conseguimos controlar. Hoje quero falar sobre o que me chama a atenção: os nossos sentimentos e os sentimentos das pessoas. É curioso como não conseguimos controlar nossos pensamentos. Você piscou e já se viu na Europa comprando baguetes. Não sei vocês mas eu crio cada cenário na minha cabeça. Já tive quase que 499 finais felizes diferentes e na verdade nenhum chegou perto do que a minha vida está conspirando. Eu fico me perguntando, se alguém puder ler meus pensamentos que esse alguém não seja você. Você que está lendo esse texto e imaginando finais felizes ou infelizes para nós. É complicado olhar para uma pessoa quando você está exatamente pensando nela e em coisas que poderiam fazer juntas se não fossem as circunstâncias da vida. Os olhares se cruzam e eu tento desviar rapidamente para que não perceba que eu já estava no felizes (ou infelizes) para sempre. Eu e meus textos sem pé nem cabeça. 

Tentando retomar aos poucos minha escrita, ideias de segunda-feira são sempre de segunda.

maio 22, 2019

Esse é um texto sobre amores impossíveis.

Não estou falando da sua paixão pelo Robert Pattinson ou pelo Brad Pitt. Estou falando daquele amor. Que provavelmente foi recíproco. Ou não. É estranho falarmos sobre um amor correspondido fracassado mas sim, alguns amores, sejam eles até almas gêmeas, podem não dar certo. Talvez, um frio na barriga e um beijo arrepiante não é o suficiente. Talvez aquela pessoa que se encaixa perfeitamente com você já está se relacionando com outra há muito tempo. Talvez ela more do outro lado do planeta e você não cansa de curtir suas fotos para chamar atenção mesmo sabendo que não tem chance nenhuma. Talvez você esteja achando que o seu amor é aquela pessoa quando na verdade não faz ideia de que nunca dariam certo. Ou talvez dariam certo. E como dariam! Ah, se nós soubéssemos as respostas para todas as confusões do amor. Se nós pudéssemos amar sem medo, sem julgamentos, sem escolhas.
Ah, como os amores impossíveis seriam possíveis. Seríamos possíveis. 

julho 11, 2016

As pessoas não ficam invisíveis só de frontal com fanta

"As pessoas não ficam invisíveis só de frontal com fanta."

Quantas pessoas passam por nós todos os dias e não vemos seus rostos. O cobrador do ônibus sorriu. Uma senhora pediu licença. Sua vizinha disse bom dia. Seu pai estava falando com você enquanto buscava atualizações recentes. Ai, quando você vai dormir e vê que a vida das outras pessoas parece uma maravilha você se sente só. Cada dia mais as pessoas se olham menos. Estamos todos doentes de solidão e não percebemos. Não percebemos porque o mundo que vivemos não é aquele da vida real. Estranho, não? O pior é que somos nós mesmos responsáveis por isso.

Escrito após assistir pela segunda vez o filme brasileiro Boa sorte.

novembro 15, 2015

Saber amar

Desculpa por não saber amar,
Mas de verdade? Eu amo
É tanto amor que não cabe no peito, explode dentro de mim de todas as formas.
As palavras engasgam, os olhos não piscam, o cérebro não pensa, o coração só bate. Eu queria saber amar melhor. Não sei como isso funciona mas eu queria ser uma dessas mulheres de filme que nunca erram. Desculpa, também não sei ser perfeita.
Mas de verdade? Uma coisa que eu sei fazer muito bem é te fazer feliz. Confessa, eu vejo nos teus olhos.
Eles sorriem igual aos meus quando te vejo chegar.